31 de agosto de 2018

Avança, pois sim. Dois cavaleiros, uma fêmea e um macho, destacados de um exército escondido até às flâmulas por trás das árvores. Isso é o avanço do retorno de Cristo. A Segunda Vinda. É uma visão sem olhos, mas táctil por nenhum toque, como o calor de uma cavalaria numerosa que não se vê e não se ouve, circulando a casa só com o morder dos cavalos nos arreios. O que é uma rosa, no lamaçal dos dias, se não um pressentimento?  A baba e o couro. Pois que a segunda vinda é um calor em ondas contínuas, mas alteráveis, conforme a fé, a força e a farinha disponíveis. Uma grande esperança a quem for pequeno muito, uma esperança nenhuma a quem é aqui bem grande. Pois quem tiver exército, vai tentar se defender - e perderá. Pois quem for só e fraco, vai se render - e será salvo.

30 de agosto de 2018

Se tem uma mancha, em alguma das lentes do meu óculos, aquela mancha estará em uma árvore, se eu olhar para uma árvore, e ela estará no mar, se eu olhar para o mar. Se uma gota de chuva cair nas lentes, no entanto, a luz refratada pela água escoará mais luz para os meus olhos. Assim é, também, em relação ao bem e ao mal: quem vê o diabo em tudo, pode ser por estar com os olhos sujos de diabo; quem vê Deus em tudo, é porque está com os olhos limpos de Deus.

27 de agosto de 2018

Chacota no banquete de exposição da Política

Contemplai, contemporâneos, a Política!
Mulher alheia, selvagem, insubmissa
olhando altiva enojada para todos nós!
Contemplai o dentro em luz dessa face
a nudez honrosa de após um desastre
altivez de outrora rainha e viúva cativa.
Dói, sangra, ser olhado em fogos assim
acorrenta negro em véus o desejo de rir
nunca mais, para contemplá-la. Olhem
como seus dois seios são como mordaças
ao pequeno coração, aos quietos lábios
em cujo silêncio oleoso há mormaço
e uma sentida ausência de asas. Olhem
meus irmãos de tempo, como seu rapto
dilata o orgulho nela inédita vaidade
de se enfeiar para nos ver! Política!
É de fato verdade o que diziam
que se a vida dói a todos
a alguns a miséria purifica.

20 de agosto de 2018

As aves do céu, os lírios do campo

Onde agora se vê caos
pode ser que adiante
se veja a harmonia
de Deus, o efeito
de mãos grandes
prenhes de enredo
tecer depois
novos antes

Onde agora se vê seca
pode ser que adiante
de vazantes se encha
a pureza verdejante
cem poços e mil rios
gerados na profundeza
da nuvem mais hostil
da terra mais distante

Onde agora nada se vê
pode ser que não se veja
por ser tudo iluminado
em luz de inédita colheita
gestando no útero
do aparente breu
auríferos céus
para um sol
de nova beleza

16 de agosto de 2018

Lição de palavras nº1

"Faceira" é uma palavra que introduz uma luz, um jeito de sorrir por trás de um olhar envergonhadinho e bom. É feminino até a mais íntima doçura, é feminino em muito ser rósea palavra e recato regatos. Redondos movimentinhos, os dedos tão flores, tem essa palavra. Faz pensar que o amor não é mais que um fósforo de chama pequenina, mas em um mareal de álcool.

13 de agosto de 2018

Tentar descrever a dor de quem se ama, terrível rocha à nossa frente, é demais peso aos ombros da escrita. É possível descrever Deus só narrando as formas de uma face? É possível contar ao cego o prateado dos peixes pelo som que as escamas abrem? Nem as lágrimas de quem se ama, à nossa frente rocha, é possível rearquitetar em letras. Mas chore, chore, chore, eis aqui meu peito, chore. Morte às palavras, se não consigo usá-las como unguento, morte à película das dores individuais no mundo, mas vida às horas existidas dentro do consolo mútuo. Chore, chore, chore.

12 de agosto de 2018

Biomas de mim

Aqui é a floresta dos que se apaixonaram por mim
rente ao mangue dos que muito me odiaram
o cheiro morto dos siris mesclado
ao aroma vivo do sangue das flores no mato
ali é o deserto dos que eu invejava
abandonado vazio o toque da seca sendo
pantanais campos largos pastos e areia
o horror áspero de um nunca encontrá-los
céus e rios e ao mar vou indo
pescando do sal marinho as faces santas ceias
dos que eu menino me embalavam Aqui
guia sou do turista que também estou
arqueólogo biólogo teólogo e rei
jurista e também a lei dos biomas de mim

7 de agosto de 2018

Granizo em Minas

A neve não é carícia
para o abrigo caseiro
coberto e quentinho
da noite dos mineiros.

A neve não.
Mas e o gelo?

O menino pula valentia
quer sair pela porta
e o resto da família
apocalíptica lhe toca
com a voz “Cuidado!
Que o granito é feroz!”
deslumbrante desespero.

E não deixam o menino
sair pra ver o gelo.

Mas o menino ao menos
ouve a mensagem do céu
mesclando as pedras aos trotes
lá fora com dentro o escarcéu
da família discutindo
o celeste gelinho lindo
mais o brancor daquele piso
e socando o cimento
uns dizendo “Foi golpe!”
e outros “Foi impedimento!”

sons grandes e pequeninos
arrebentando vidros
do mesmo jeito.

E o menino bonachão
pula satisfeito

“Mãe!
Tô ouvindo o granito!”

São os discursos do granizo
em ano de eleição.