18 de abril de 2024

Eu tenho muitos, muitos textos dedicados para a Michele, minha esposa, que hoje faz 25 anos. Gostaria de adicionar mais um texto a essa coletânea que, creio, já daria um livro. Vou listar algumas coisas que amo nela.

Amo a forma como a Michele está normalmente bem disposta com a vida. Eu disse algo assim para ela, há pouco, quando Michele saiu para comprar uma resistência elétrica (que eu disse que compraria, mas acabei não comprando, vejam só) para o chuveiro principal aqui de casa.

Ela saiu, começou a chover e eu imaginei que isso a deixaria chateada. Mas, quando ela chegou em casa, estava sorridente - feliz, inclusive, por pegar um pouco de chuva.

Amo também a forma da Michele amar a beleza, de modo geral.

Praticamente todos os dias chamo ela ou ela me chama para vermos juntos o pôr do sol. É cotidiano, também, tirarmos fotos de coisas bonitas que encontramos quando vamos ao jardim e o outro não estava lá.

Músicas, pinturas, a forma como determinado vento passa a entrar em determinada época do ano por determinada janela.

Amo o fato da Michele se chamar Marcial (o que segundo o dicionário significa "relativo à guerra") e ser geralmente tão pacífica. Amo o gosto dela para cerâmicas, cafés e poemas.

Ela é a minha esposa e hoje faz 25 anos. Pensar em envelhecer com Michele: essa ideia também é muito amada por mim.

9 de abril de 2024

A flor do torpor

Para quando eu estiver triste
rego este homem feio
que odeio e me idolatra.

Não responder é regá-lo
dar-lhe
minúsculas gotas de atenção
também.

Para quando
eu sentir feia a minha face
e pequenos os meus seios
ouvir dele: você é linda.

Para quando
o bonito não me queira
ouvir dele: eu te amo.

Um dia me disseram
que Narciso e Narcótico
possuem a mesma origem
- "Narke", isto é, Torpor.

Pois bem.

Entorpeço-me disso
do amor dele
em faltando esterco
e espelho
à flor que penso ser.

26 de março de 2024

A educação pela nuvem

Embora lentos desfiem seus braços
suaves e brancos
está nela, nuvem, o útero dos raios.

Aqui começa este aprendizado:
sereno ou irado, quando
aprender a gestar dentro este parto?

Quando fazer-se paciente e alado
em cem véus brandos
e quando ser a ira de mil cavalos?

Nuvem, estátua do instante, calmo
memorial ostentando
entre os seios um colar de cobalto

ou nuvem, espada do antes, alto
urro de batalha e pranto
trovejando fúria sobre os prados?

Aprender azul o momento manso
e no entanto
saber ser o temporal, feito de aço.

23 de março de 2024

Enciclia

A memória do amor
é um rastro de peixe
na pele da água

Deixa
da luz um feixe
ondular a calma

Leva
para sempre
a saudade inata

3 de março de 2024

O domador do silêncio

"Portanto, o que for prudente guardará silêncio naquele tempo, porque o tempo será mau." - Amós 5:13

Feliz do que doma o silêncio
(esta que é a mais temida fera
de nossos tempos) e faz dele
o seu dócil companheiro

Corajoso, sobretudo, aquele
que faz do silêncio um servo
e lhe dá como arreio
o amor à solidão de não
necessitar do som alheio

Oh domador do silêncio, ouvi:
feliz e corajoso é você
corajoso e feliz porque
só em silêncio pode-se ouvir

18 de fevereiro de 2024

O olhar da mulher amada

para Michele

Por mais que se estude
o olhar da mulher amada
pouco se acha dentro
pouco ou mesmo nada

que explique esta cor
tenra de terra arada
- roça que traz acesa
uma semente dourada.

Não entendo, aceito
da terra o não mapeá-la.

Observo o brotar lento
raiz de sol e água e tempo
no olhar da mulher amada.

4 de fevereiro de 2024

Mas o mal que não quero

"Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço." - Romanos 7:19

No silêncio da terra
acariciada de suor
semeai sem reserva
o que em ti houver
de melhor.

Do pior que te restar
fazei o esterco escuro
das raízes o úmido
alimento futuro.

Então, observai
este infelizmente:
muito foi
o adubo
e pouca foi
a semente.

10 de janeiro de 2024

Soneto se eu enlouquecesse

Fazer de mim aquilo que o outro 
descompensado sobre mim pensa. 
Fazer-me escravo da opinião alheia 
devorando modas em desconforto. 

Fazer de mim uma fazenda imensa 
onde só colhessem frutas no outono. 
Frutas feitas de amarela desavença
em não haver raiz neste meu tronco.

Fazer de mim aquilo que o outro
descompensado sobre mim pensa.

Fazer-me escravo da opinião alheia
devorando modas em desconforto.

4 de janeiro de 2024

O ser feliz

Se alegrar com a novidade
do que sempre acontece
o sol, a chuva, a prece
e se firmar no alicerce
do que sempre existiu
Deus e o amor, gentil
por rever inédito
o que já viu
e relembrar inédito
o que não esquece