21 de dezembro de 2017

Em Sodoma

Alguém leal, agachado diante das brasas
triste em cumprimento ao seu próprio coração
percebe que a alma pesa mais em Sodoma
embora o corpo feito penugem embriagado voe.
Alguém leal, melhor, maior, constata
a gratidão e a honra como madeira e corda
de um arco sem flechas restantes. Compõe:

"a alma pesa mais em sodoma
arquétipo granito de egoísmo
contanto que tenha havido espírito
e seja soterrado pelo abismo
contanto que o olhar tenha sabido
experienciar o fogo dos sentidos
terremoto ígneo e difícil
em sodoma haver o peso dos vícios
sodoma eles te amam o peso
que em israel sequer haviam tido
sodoma tem muitos filhos
que nela ancoram fluidos aflitos"

O fogo nos estandartes queimados
em frente ao acampamento de batalha.
As bandeiras que estalam
espalhando o som da fogueira.
Em Sodoma quem tem alma
sofre diante das brasas.
Em Sodoma quem tem alma
não tem mais nada.

17 de dezembro de 2017

O livro de sal

A guerra já vem nos afastando por um ano.
Hoje consegui ligar para ela. Ela me disse
que só consegue ler quando solitária
ou quando próxima de mim. Disse
que no campo de refugiados é impossível
e que não ler torna tudo aquilo pior.
Será porque
a leveza entre nós dois é idêntica
a de quando alguém está em paz num eu?
Ela diz isso à distância
na distância que às vezes grandes almas têm
para que, faróis, iluminem áreas não sobrepostas.
Ela disse depois que tinha de ir. Disse
que me amava, sonhe com Deus.
Fiquei feliz por havê-la no mundo e desliguei.
Agora estou de guarda na noite
quase calma do litoral e posso sentir
que quem tem no coração o valor exato de tal amizade
terá as mãos firmes no timão durante a tempestade
terá o espírito calmo
quando explodir o trovão destinado
lendo no maior furacão
o livro de si. Troveja. Ou será a artilharia?
Troveja. Que venha a tempestade.

6 de dezembro de 2017

Michele

É natural a um homem de ouvidos cansados
a paixão por essa mulher de silêncio denso em noites
o olhar que à luz no escuro refulge laminar
seu abraço fogo apaixonar
quem suava frio

É natural porque ela lembra uma espada
desembainhada sob a lua
o triunfo exato do crepúsculo num regaço
qualquer eclipse ao meio-dia
o tato do sol nas bocas frias

Essa mulher de pouco dizer de muito cuidar
me lembra o que eu seria
se ao não ser o que sou
eu fosse mulher
uma floresta incógnitas trilhas
essa mulher que me esculpe de sonho