28 de julho de 2017

Êxodo

E sendo um dia claro, com sol no centro
os povos urbanos vinham por dentro
dos caminhos, sorrindo. Eram guiados
pelo poeta assinalado, enfim coroado
e tinham entre os dedos longos cantos
nos olhos muitos verdíssimos mantos
na boca a paz sem idade dos alforriados.

Os povos da cidade vinham lentos, sorrindo.
E buscavam fontes, em bosques vizinhos.

Sendo pobres, negros e brancos de braços
largos, sabiam de orgulhos antepassados
em tirar fartura da terra, pão leite vinho
tudo o que os senhores lhes dava contado.
Desceram dos morros, vieram das fábricas
sem ódio e rancor, só esperanças e áfricas.
Encararam o futuro com olhar de amor
e caminharam amor e sussurraram: amor.

A multidão era ela própria uma fonte lírica.
E o poeta à frente, jorrando hinos de louvor.

No entanto, nem todos viram a chama íntima
que trouxe os povos da cidade aos campos.
Alguns, enviados pelos senhores, tantos
quantos eram muitas as flores, aguardavam.
Feito num atol, aguardavam. Sem irmandade
mínima, aguardavam. De pólvoras e espadas
nas esquinas da floresta: aguardavam. E só
o poeta, cheirando profecias do sol, sabia.

Mas seu coração era boa água tranquila.
Pois também lhe profetizara saída, o sol.

A alegria dos oriundos da urbe era lima
afiando os versos do poeta, que crescia.
E ao já ver despontar olhares feito setas
olhares raivosos sem o clima que guiava
já tinha mil metros, o poeta, e a cada
passo se maiorava, de tal forma inquieto
fazendo de si mesmo gigantesca aljava
que com pressa os rivais fugiram de medo.
Sorriu, aliviado, com Deus como epicentro.

Os povos da cidade vinham lentos, sorrindo:
bebiam o riso do êxito, e tal êxodo era vinho.

20 de julho de 2017

o jardim dos reinícios

o longo ponteiro dos dias
lâmina fraternal de azul
abriu no ventre do acaso
o nosso encontro

porém
em tempos de reinício
tal encontro

e em tempos de reinício
como confiar-nos à paz
do coração em solstício?
à paz de saber-se destino
ao caos, vento ao sul
que desfaz sinos?

finalmente
em um jardim
tal resposta

como tomar nos braços
o hálito do sol
ganhar-lhe o interior
de verões cíclicos?

olhando
de frente
o presente

finalmente
em um jardim
tal resposta

o presente
é um jardim
de sementes

17 de julho de 2017

argumentorum

a poesia se faz em liberdade, igual ao amor

o amor se faz ao sol, como a liberdade

a liberdade cheira à poesia, quando ao sol

o sol se faz dentro do amor, igual à poesia

11 de julho de 2017

Serenatinha

Difícil ousar dentro de julho desejar mais
do que julho já traz, em seu azul verde
de orgulho, em seu olhar frio de paz. Mas
ouso: na solidão, na tarde aberta em rede
atento ao infantil sol lilás, peço passos
pequenos no espaço do meu coração.

Julho: eu quero uma menina alegre
mais leve que o vento e o céu são.

Você, julho, me consegue
uma menina-canção?

Uma menina que não fale nada adulto
cuja sombra não seja vulto, mas clarão.
Que desconheça luto, dinheiro, entregue
à poesia e seus frutos, que diga "a gente
pode morar dentro de um cheiro?" e que
bem serelepe segurasse Deus na mão.

Julho: eu quero uma menina alegre
mais leve que o vento e o céu são.

Você, julho, me consegue
uma menina-canção?

4 de julho de 2017

eu disse palavras ao sol naquela manhã fria

eu disse palavras ao sol naquela manhã fria
enquanto o remorso abria grandes clareiras
no zelo de nações sem heróis nem bandeiras
na floresta incendiada (nós) no gelo do dia

os grandes campos, Maria, de hálito retido,
os desejos, Maria, soterrados na burocracia

muitos anos se fecharam em redor, desde então
muito mito estofei sobre sua imagem de degraus

e assim o que nos liga se manteve firme, linha
tão inconsútil como são as linhas da sua mão
e tão maciça quanto o fio que une Deus ao aparente caos