28 de agosto de 2017

Bebê rindo

para Amora

O seu riso
é um mapa
cujo peso
me navega

Arco alvo
é tão leve
lívio trevo
brota e tece

O seu riso
fina capa
quentinho
me guarda

É um livro
uma espada
um espelho
uma prece

25 de agosto de 2017

Confissão no banquete de nós dois

Os unicórnios são poderosíssimas feras prateadas de sonho, muito superiores aos cavalos no que diz respeito ao vigor - porém muito mais frágeis no que diz respeito à beleza. São caçados por sua magia em vastos campos, vencendo armadilhas e ataques cobiçosos contra sua liberdade, sendo ferozes na batalha e ágeis na proteção. Eles, no entanto, possuem a fraqueza dos poetas: os unicórnios se pacificam diante de uma donzela e, tal a ternura, adormecem em seu regaço de fonte. Presa fácil, daí em diante. Eu estava pensando nisso, enquanto você fazia um ninho para os seus dedos com o meu cabelo. Há homens, a maioria absoluta, que por nada deitariam com a cabeça no colo de uma mulher em público, por maior o amor que sentissem. E ali estávamos, sob um ipê em flor, no gramado da praça, onde muitos esperavam o ônibus: minha cabeça exposta no seu colo. Eu derrubei um pouco de cerveja em mim e você me repreendeu, entre maternal e lua. "Você é mais antiga do que ipês, mais antiga do que a morte, a vida e a volúpia acelerada das estrelas", observei de mim para mim, olhando assim, do porto de você. Mais antiga do que a própria noite. Mas eu dizia que estava pensando em unicórnios. Sim. E veio a questão: antes ser um cavalo, fraco onde todos os mortais são, escravo forte pela insensibilidade?, ou ser o heráldico, o grande, o perseguido e forjado com as cordas do sonho, para ser assassinado enquanto adormeço sob as mãos do amor? Você, entretanto, me protegeu - e sobrevivi.

23 de agosto de 2017

Vento Mulher

O vento que esculpiu teu dorso
certamente arredondara o sol
e o coração dos dias. Qual
é o vento que te me trouxe?
Certamente o mesmo que derrubou
as flores do ipê que pensava
em amarelo te superar quando floriu.

19 de agosto de 2017

a tarde goiabas

e essa guerra que não acaba mais
você disse com os olhos moles
boca cansada de amor interdito
entorno fogueiras fiambre e mausoléus
os cabelos tornavam-se selvagens
água boa só da saliva um do outro
conforme os meses marchavam
embornais
e essa guerra
que não acaba
chegamos a um sítio abandonado
goiabeiras era época de goiabas
nada que nos interessasse
de suprimentos
além de goiabas
rodei seu corpo e rompi os frutos
podres no chão
com sua pele cor de tronco
continuávamos nus
horas depois
aqui acaba a guerra pra nós
foda-se o front
havia um velho balanço
sua carne atravessava brutal
as correntes do balanço
o sol
atravessava
a guerra
atravessava
o cheiro amadeirado
escorrendo da sua virilha
o gosto de sangue
enfim choveu
naquela tarde goiabas
acabou

6 de agosto de 2017

O aço, o bagaço, o braço

A prostituta cotidiana com cheiro de aço
circula as ancas descrevendo laços rumo
ao som dos passos no caminho logo atrás

A mãe põe no espelho os olhos de bagaço
cogita o fim da família que a suga o sumo
e repele o abraço morno do filho incapaz

O ferreiro sente ecoar nos ossos do braço
a força que derruba e corta o espaço rumo
à bigorna negra no fogo dos anos abissais

Nenhum deles derrama choros eventuais
Nenhum reclama da vida e seu mormaço

3 de agosto de 2017

parque de diversões no interior

é noite

seu nariz está frio

como de um cãozinho

cores luzes cores cores

maçã caramelizada e cores

uma criança em você

cem crianças fora de nós

Deus olhando de dentro

do seu sorriso pequeno

e vermelho