29 de janeiro de 2019

Se o mundo me chamar de pássaro

"Pois que aproveitaria ao homem ganhar todo o mundo e perder a sua alma?" - Marcos 8:36 

Se o mundo me chamar de pássaro
pintando azul as imaginárias asas
que a vaidade há muito já pintava

saberei que a mão do mundo é laço
querendo agarrar o orgulhoso voo
de quem acredite em seus aplausos.

Cuidado! Não é bom seguir crendo
que estes risonhos sons de cascos
bravios, sobre o rio, sejam elogios!

O louvor do mundo é um fermento.
É o peso que dilata, quente e exato,
a ilusória glória das asas de cimento.

25 de janeiro de 2019

40 anos de deserto

Oh, exílio! Julgas
que me fará chorar?
Eis vossa boca
eis o meu riso
julgas
que guardo sorrisos
apenas para meu lar?

O sol também nasce aqui
(embora menor)
onde não nasci

4 de janeiro de 2019

Situação

para Lucas Romano

Há os construtores de monumento
empilhando bronze, aço, cimento
em estilhaços sisudos de passado.

Eu escrevo.

Há também os chamados padeiros
que do fogo fome fazem o cheiro
a abrir manhãs com seu mormaço.

Eu escrevo.

Se a obra de um está pelas praças
e se pão fica bom com cachaça
eu escrevo. Que culpa tenho?

3 de janeiro de 2019

Minha arrogância: uma justificativa?

A abertura nesta pedra de vaidade
limada e verde, chamada coração,
é um cano para escoar a barbárie
para manter a mínima distinção.

Conforme, porém, o cano cresce
em seu núcleo a oca inexistência
(porque a barbárie também cresce
onde antes não havia sua essência)

nasce a arrogância, este parecer
maior, por ser menor: o coração.
Levantar o nariz então passa a ser
para não sentir o fedor do coração.