30 de agosto de 2019

O vento antes da chuva

I
Acorde, vento norte! Venha, vento sul! Soprem em meu jardim, para que a sua fragrância se espalhe ao seu redor. Que o meu amado entre em seu jardim e saboreie os seus deliciosos frutos. – Cânticos 4:16

O melhor resumo
da expectativa que vivo
na vinda do meu noivo
é o raro vento fresco
nas dunas
o fresco vento que vem
antes da chuva

refrigério
habitual para mim
que sonho com sua lira

mas inédito
para esta areia antiga.

II
O meu amado falou e me disse: Levante-se, minha querida, minha bela, e venha comigo. – Cânticos 2:10

Nosso amor, nossos cabelos
no brancor do meu vestido
dançarão
perfume de água e terra
vento
antes da chuva.

III
És a fonte dos jardins, poço das águas vivas, que correm do Líbano! – Cânticos 4:15

Pois o meu amado
é esse hálito
que já estava comigo
à porta da casa
em que vivi criança
vendo
o céu nublar

a casa que hoje
mal recordo

oh céu distante

mas do vento
eu me lembro
antes da chuva.

26 de agosto de 2019

Seu Zé

O vento é tão forte em agosto
e tão de azul-pipas o seu dorso
que o hálito de quem morreu
corta ligeiro o frio do céu
e chega ainda morno
no colo de Deus.

Era por isso
que a menina ria.

Ela ria porque via
no coração da tarde
o seu avô pipa.

22 de agosto de 2019

A Grande Hora

"O que fizeste com meu Espírito?"
como um aroma a voz de Deus diz
para o poeta, diante do juízo.

"Isto"
responde-lhe o poeta
"isto".

E o fogo experimenta as obras
do poeta, suas paixões de outrora
experimenta a ira de sua lira
e queima tudo, que não é Glória.

"O que fizeste com meu Espírito?"
renova-se o cheiro da voz de Deus
no ar, para o poeta, que responde

"isto"
com voz sedenta de fontes
e diz "eu cri
no Cristo".

Resta, então, de sua obra
esse pequeno verso
de toda sua obra
só ele soa eterno
na boca do Espírito
após o fogo da Grande Hora.

16 de agosto de 2019

O medo da flor

"A relva murcha e cai a sua flor, quando o vento do Senhor sopra sobre eles; o povo não passa de relva." - Isaías 40:7

Medo, oh medo de esvair!
Onde encontrar claríssima
e imperturbável paz
consolo do jardim?

Nuvens circulam as torres
as portas, janelas, os homens.
Chuva em torno de mim.

Como os cavalos têm
o arreio entre os dentes
sonhei trazer a lua na boca
de minhas pétalas de marfim.

Mas rente às nuvens negras
sobre o dorso desse jardim
serei arrancada ou irrigada
quando essa tempestade cair?

5 de agosto de 2019

Os homens mordem o mundo
e dos lados de seus lábios
escorre o sumo dos modismos.

Pai, me ensina a ser eterno.