26 de julho de 2018

Monólogo com o ferreiro

"Se o filho pródigo não tivesse
conseguido sua parte em ouro"

(ele disse, sob a prece do martelo)

"Nunca retornaria ao castelo
paternal, ao maternal seio
de onde veio"

(o fogo crescia ao soprar do fole
como o muito medo em nós
cresce)

"Ele foi odiando
a mansidão do pai
e com ódio na partida
o retorno virá"

(parou, então, de martelar)

"É preciso odiar muito
o ódio é uma lima
o ódio é a bigorna
que afia o amor
e o faz perfeito"

21 de julho de 2018

Eu queria que meu corpo fosse a planície
onde os relâmpagos do céu viessem
violentos se aninhar
mas como eu poderia suportá-los?

Minha vontade é maior
do que meu corpo
que é frágil.

Minha vontade, no entanto, também é frágil
diante do fogo e do som
que os relâmpagos trazem à planície
e menor, ainda menor, do que a vontade
que vem do céu e queima mesmo o capim
verde ou seco.

O que vale a minha vontade, então?

Onde estava minha vontade
quando houve a gestação das nuvens
e um sorriso engendrou nas águas primeiras
a primícia das chuvas, o orvalho novo
e o amor absoluto?

Onde estava minha vontade
quando a engenharia das estrelas
fruto desta outra maior vontade
deu sua luz à mais antiga escuridão
e declarou o fim da névoa solitária
em torno dos seres?

Eu queria que meu corpo fosse a carne
do animal abandonado pois ferido
e que as feras enterrassem seus dentes
na minha nuca perturbada
e que minha morte alimentasse o couro
de algum ser mais nobre do que eu.

Eu queria que algum juízo furioso rompesse
os músculos dos meus olhos, da minha boca
do meu coração exausto
pondo a sua força de ente mais forte
sobre a minha pequenez
vencendo-me.

Mas de que vale a minha vontade?
Quem sou eu, dentro da eternidade?