17 de dezembro de 2017

O livro de sal

A guerra já vem nos afastando por um ano.
Hoje consegui ligar para ela. Ela me disse
que só consegue ler quando solitária
ou quando próxima de mim. Disse
que no campo de refugiados é impossível
e que não ler torna tudo aquilo pior.
Será porque
a leveza entre nós dois é idêntica
a de quando alguém está em paz num eu?
Ela diz isso à distância
na distância que às vezes grandes almas têm
para que, faróis, iluminem áreas não sobrepostas.
Ela disse depois que tinha de ir. Disse
que me amava, sonhe com Deus.
Fiquei feliz por havê-la no mundo e desliguei.
Agora estou de guarda na noite
quase calma do litoral e posso sentir
que quem tem no coração o valor exato de tal amizade
terá as mãos firmes no timão durante a tempestade
terá o espírito calmo
quando explodir o trovão destinado
lendo no maior furacão
o livro de si. Troveja. Ou será a artilharia?
Troveja. Que venha a tempestade.

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