23 de novembro de 2025

Agradecimento dos 31 anos

O que mais busquei
embora não pareça
foi ser sábio.

A sabedoria, porém
é esta figura sorridente
que conheço apenas de longe.

Eu dou um passo, ela dá outro 
e parece fugir
embora sorria e dance.

Não sinto que zombe de mim
mas sei que não quer
que eu a alcance.

O que mais busquei
foi ser sábio.

Porém, Senhor
usarei esse pequeno espaço
para agradecer
o não ser sábio.

Quantas coisas
por não conhecê-las
acabei por fazer
como se fossem as primeiras?

E quantos críticos
por não saber que me odiavam
eu amei
apesar disso?

Talvez nenhum
talvez cinco.

O não reconhecê-los me fez bem
como faz bem só estar vivo
com a sabedoria ao longe
sorrindo.

Obrigado, Senhor
por eu não ser sábio
embora eu prefira ser
e ter sido.

E prefira não ter dito
tanta besteira
e esquecido
tantos dias.

O prazer novo
que toda velha palavra
me causa
talvez venha disso.

Talvez eu tenha dançado
até aqui
com a novidade
da sabedoria
e nem tenha percebido
que a sua fuga
é uma dança comigo.

Obrigado, Senhor!

Sinceramente
me sinto
a cada dia
menos sábio.

E se esse for
por ironia
um sinal de sabedoria?

Senhor, obrigado.

22 de novembro de 2025

Ela e o violão

Para Michele, na ocasião do nosso oitavo aniversário de namoro

Igual ao silêncio violado pelo som
das lindas mãos afinando o violão
ela em minha vida violou a solidão
como um sim afinado por um não
ela afinou o meu cordário coração
ao violar meu canto em novo tom

Envelhecer violou-se em algo bom
porque então passou a ter a afinação
de viver no tempo dentro da canção

10 de novembro de 2025

Édito

Está feito. Eis a nova lei
florescida
no solo do presente tempo.

Está feito. O dentro pra fora
torna-se agora
o de fora pra dentro.

Quem não viver de amor
(eis o édito) morrerá
do seu apodrecimento.

2 de novembro de 2025

Breves cartas aos ansiosos: carta 8, corrida

O sentimento implícito na triste frase "pensar é cansativo", falada hoje com tantas variações, gera muita ansiedade por ser fruto de uma espécie de sedentarismo da inteligência.

Pensar muito é uma angústia de quem não tem o controle, nascido da prática, sobre o próprio pensamento.

Pense: as pernas acostumadas a correr quatro quilômetros todos os dias não se cansarão ao correr dois quilômetros amanhã, ao contrário das pernas sedentárias, correto?

Da mesma forma, o pensamento não cansará os seus praticantes cotidianos. Longe disso. Assim como aquele que corre fica angustiado justamente depois de alguns dias sem correr, o mesmo acontece com aquele que conscientemente pensa. Depois de algum tempo, será incômodo ao pensante ficar sem pensar.

Note, porém, que isso vale para o pensamento consciente. Porque há também o pensamento inconsciente, assim como há o agitar de pernas irrefletido de alguém ansioso, em contraposição às maratonas previamente planejadas por algum esportista. 

É geralmente desse "balançar de pernas" que as pessoas cansadas de pensar reclamam. "Overthinking", termo atual para um problema antigo, diz respeito a esse tipo de vulto mental transtornado e sem controle da pessoa que dele sofre, como caminhar sem descanso em um feed infinito de rede social.

Em resumo, o cansaço de pensar ocorre quando pensar não é um exercício praticado de modo atento. É preciso exercitar esse pensamento consciente, portanto, até para reconhecer os padrões de angústia, mesmo que isso signifique parecer mais silencioso, em alguns momentos.

Por isso "os burros são mais felizes" é uma frase mentirosa, já que a própria manifestação de infelicidade é de difícil expressão em uma vida irrefletida. Isso gera a miragem da festa, pois a pessoa permanecerá dançando mesmo internamente angustiada.

Pensar conscientemente pode te deixar silencioso em uma comemoração, por exemplo, se foi durante ela que você resolveu exercitar esse maravilhoso esporte. Faz parte. Mas alcançar o amor ao pensamento vale a pena.

Leia, escreva, pense: isso inaugurará em sua vida interna o saudável costume de se exercitar contra a ansiedade.

1 de novembro de 2025

A manga

O fruto da manhã se chama manga
raiado de sol
e dourado o seu coração de chama

Seus fiapos feitos de ter sido criança
estão no chão que sou
e também na boca do dia que dança

Teu é o verão verbo que avança
manga, lençol
terno e doce que a roupa mancha

Teu é o verbo verão que avança
manga, arrebol
eterno interior da minha infância