Escreva um poema que desperte o humano do seu sono de silício.
E seja uma mão a levantar da terra os corações, de modo a escorrer entre os dedos toda a letargia.
Para isso torne-se alguém sensível, sem miasmas de frescura, como aquele que na guerra e mesmo cego ainda tem olhos para uma flor.
Guarde nele algum veneno que fira, não mate, e seja o mel colhido entre ferrões.
Que ele tenha ritmo, rima, soe como um repentino vento fresco em uma noite quente, e lembre a morte, o nascimento, o sol, a tempestade.
Escreva um poema com o sangue do sonho a navegar por suas veias inexistentes.
Quero que ele seja sério, terrível, sincero, feliz.
Tenha a boca irônica, os olhos enormes, uma compaixão inesgotada.
Arome o cheiro do amor recusado, isto é, jasmim.
Arome o cheiro do amor recíproco, isto é, suor.
Que seja longo, como longas são as raízes de árvores antigas que há muito alimentam a muitos.
Tenha paredes como ruínas de castelo, inúteis e tomadas pelo musgo.
Tenha e seja o jardim abandonado da infância.
Escreva um poema, principalmente, feito de palavras como mapas antigos em sua ausência de portos.
E que a todos diga algo, mesmo sem ser lido por ninguém.