19 de outubro de 2024

Canção de boas-vindas para Lourdes

As luzes, Lourdes,
habitam os céus
e também os véus
sobre a terra, amiúde.

Seus irmãos, Lourdes,
exemplos de luzes
que chegaram antes
te ajudarão adiante
do chão que cruzes. 

Seus pais, Lourdes,
exemplos de luzes
de ainda antes
igualmente adiante
da estrada que cruzes.

E eu peço, Lourdes,
ao Senhor das Luzes
Deus desde bem antes
que ilumine adiante
de todos nós, amiúde.

12 de outubro de 2024

Prompt

Escreva um poema que desperte o humano do seu sono de silício.

E seja uma mão a levantar da terra os corações, de modo a escorrer entre os dedos toda a letargia.

Para isso torne-se alguém sensível, sem miasmas de frescura, como aquele que na guerra e mesmo cego ainda tem olhos para uma flor.

Guarde nele algum veneno que fira, não mate, e seja o mel colhido entre ferrões.

Que ele tenha ritmo, rima, soe como um repentino vento fresco em uma noite quente, e lembre a morte, o nascimento, o sol, a tempestade.

Escreva um poema com o sangue do sonho a navegar por suas veias inexistentes.

Quero que ele seja sério, terrível, sincero, feliz.

Tenha a boca irônica, os olhos enormes, uma compaixão inesgotada.

Arome o cheiro do amor recusado, isto é, jasmim.

Arome o cheiro do amor recíproco, isto é, suor.

Que seja longo, como longas são as raízes de árvores antigas que há muito alimentam a muitos.

Tenha paredes como ruínas de castelo, inúteis e tomadas pelo musgo.

Tenha e seja o jardim abandonado da infância.

Escreva um poema, principalmente, feito de palavras como mapas antigos em sua ausência de portos.

E que a todos diga algo, mesmo sem ser lido por ninguém.

5 de outubro de 2024

O fim do imaginário

Imagino angustiados e gordos
meus contemporâneos futuros
sem poesia, filhos, trabalho
robôs escorrendo simpatia
inútil a eles pelas esquinas

Compaixão um pouco
sinto ao imaginá-los
na epidemia de suicídios
dentro de elétricos carros
o fim dos museus, ocos
muitos olhos fechados
depressivos e gordos
ante o fim do imaginário

3 de outubro de 2024

Despedida

Farei da tua voz um hino distante para a minha alma cansada
e peço, amada, que eu mesmo seja isto em teu coração.
Não mais que uma voz de águas sobre a terra árida
ou o descanso da luz que pousa doce sobre teu hálito.
Não mais que um cálice de memórias sem nódoas
ou as mãos macias das velas acesas sobre o pátio.
Peço que penses em mim do modo como ali vimos as nuvens
admirando nelas o que era momento de lua e tempestade.
Então serei para ti aquilo que és para mim, a chuva.
Pois para mim teu riso manso é o orvalho do alívio
e o vento a espalhar flores brancas sobre os ombros da noite.
Pois em mim teu olhar sempre será o perfume do relâmpago
e teu gesto calmo, em meu âmago, sempre um cântico terrível.