Havia naquela sala cinco telas acesas e dez olhos quase estáticos sobre quatro delas.
O pai e a mãe, olhando seus respectivos celulares, às vezes riam pelo nariz, em pequenas bufadas, mas os dois adolescentes nem isso faziam e pareciam congelados nas extremidades leste e oeste do longo sofá.
O volume dessas quatro telas era inaudível uns aos outros, pela distância, e apenas a TV se fazia uma ponte de som entre todos ali.
Como a luz estava apagada e ninguém prestava atenção na TV, levaram um bom tempo para perceber que a luz tinha acabado. Quem percebeu foi o pai que, depois de rir um pouco pelo nariz, após ver o vídeo de dois políticos trocando socos, resolveu se espreguiçar e tomou nota da ausência da novela.
– Ué, a luz acabou?
Ele era um homem baixo, gordo e com bastante cabelo para sua idade. Tinha por volta dos 55 anos, mais de 5 décadas de vida quase sem pensamentos profundos, o que talvez explicasse seus olhos castanhos levemente bovinos.
Como ninguém respondesse, ele insistiu.
– Vanusa, a luz acabou?
Ao ouvir o próprio nome, a mãe parecia como que despertando de súbito de um sonho mau. Olhou para os filhos, olhou para o marido, olhou para a lâmpada e depois para a TV.
– Não sei, Cido, parece que acabou.
Resmungando, ela se levantou da cadeira em que uma hora antes tinha jantado e testou o interruptor. Realmente, a luz tinha acabado.
– Essa agora! Minha bateria tá quase acabando!
A palavra “bateria”, assim como antes a palavra “Vanusa”, parecia ser o nome em comum dos dois adolescentes, já que, como um relâmpago, ambos pareciam acordar agora de um sonho mau. Eles se olharam.
A menina se chamava Flávia e tinha algum princípio de beleza, de queixo pequeno e boca sarcástica, mas sem muita vida em suas feições. Era levemente histérica e trazia o mesmo olhar bovino do pai.
O menino se chamava Miguel e era como se não existisse. Ao contrário da irmã, sequer consolava-se nele o princípio de beleza jovem que logo ela também perderia. Havia uma espécie de temor contínuo em seu rosto, por baixo do cabelo seboso.
– E agora? Eu só boto pra carregar na hora de dormir, tá quase acabando aqui também! – disse Flávia.
O pai, a mãe e a filha, então, puseram a debater aquilo. O pai estava consternado, contava com a luz para ver o jogo de logo mais. A mãe, que ainda não tinha lavado a louça, odiava a ideia de dormir com pratos e panelas sujos aguardando na pia e disse que procuraria a lanterna em algum lugar. A filha, falando cada vez mais alto, apenas soltava reclamações soltas e pensava se não seria mesmo melhor sumir da conversa com o ficante para soar misteriosa.
Os três, cada um a seu modo, esperavam pelo fim das baterias como quem espera uma catástrofe inevitável. “Aí vem o caminhão do matadouro”, diria um boi, ao passo que o outro lhe responderia algum “foi bom pastar com você, amigo”.
Claro, havia um exagero em tudo isso. E, conforme, nos próximos minutos, os sons de aviso dos celulares se intensificaram, eles andavam pelos cômodos da casa escura, perdidos, com exceção do rapaz.
Uma hora depois, quando já não havia energia nas baterias dos celulares da filha, do pai e da mãe, lembraram do Miguel, já que não encontraram a lanterna e o único lugar em que havia luz ainda era a tela do celular dele.
– Filho, você ainda tem bateria? - disse o pai, lambendo os beiços diante da perspectiva de acompanhar o jogo pelo celular de Miguel.
O menino levantou os olhos, aterrorizado. Puxou para mais perto do rosto o celular e, como em um casulo, curvou o corpo magro sobre o sofá.
A mãe, vendo aquilo e achando estranho, pediu para ver o que ele estava fazendo. Aterrorizado, quase tremendo, ele negou o pedido.
– Menino, o que você está fazendo? Me dá esse celular, Miguel!
Ele, sem ousar tirar os olhos do celular, balançava nervosamente a cabeça. A irmã então arrancou inesperadamente o celular da mão dele, com a força da curiosidade nos pulsos. Olhou para a tela e entregou o celular para a mãe.
– Eu não acredito nisso! Miguel, você tá jogando o jogo do tigrinho?!
Em uma das raras conversas recentes que tinham construído, a família havia citado o assunto. Um dos colegas de trabalho do Cido estava internado em uma clínica para dependentes após vender quase tudo o que tinha em casa para jogar em um site de apostas como aquele.
Na ocasião do assunto, o pai contou que o seu avô tinha perdido há muito tempo algumas fazendas em jogos de sua época. “Talvez eu fosse rico hoje em dia”, ele disse, lamentoso.
Considerando isso, o pai e a irmã estavam boquiabertos olhando para Miguel. A mãe gritava, com mínimas variações, o que disse inicialmente.
– Eu não acredito que você tá jogando! Eu não acredito!
Como quem toma fôlego, Miguel resolveu contar o que estava acontecendo. Antes, porém, precisava afastar a cortina e olhar pela janela, para confirmar o que já desconfiava.
– Gente, eu juro que comecei ganhando! Eu juro! Achei que ia dar pra mudar de vida!
Miguel não ousava mais olhar para ninguém e seus olhos estavam fixos para a própria mão aberta, como se ali ainda houvesse a tela de um celular.
– Foi por isso que eu peguei um dinheiro emprestado, eu…
Pai, mãe e irmã disseram as piores interjeições que conheciam e interromperam o que ele dizia. Ele levantou a voz, porém, e começou a falar rápido, porque precisava terminar de contar para a família.
– Eu tinha certeza que a cartinha ia vir, que eu ia ganhar, ficar rico! Por isso peguei dinheiro com o Marcos agiota! Quem me apresentou foi o vizinho de cá, achei que daria! E olha, eu perdi quase tudo, não consegui pagar! Hoje… Eu… Ele disse que ia me pegar e eu estava tentando ganhar alguma coisa agora pra pagar e o vizinho quando eu contei disse que ele costuma cortar a luz um tempo antes de invadir a casa de quem deve pra cobrar, olhem pra fora, olhem! É só aqui em casa que tá sem luz!
Eles olharam.
Estupefatos, agora, não disseram nada por alguns segundos. Quando Vanusa ia abrindo a boca de novo, dois murros explodiram na porta.
O desespero escorreu pelos olhos de todos. Mais dois socos na porta, porém, e aquele som lembrou ao pai o vídeo que ele vira há pouco, dos políticos se batendo.
Então ele riu, pelo nariz, uma bovina bufada derradeira.