27 de agosto de 2024

A morte daquele que fazia versos

Texto de 2017, revisitado na ocasião do falecimento do poeta Castro Guerra

Quando um poeta morre, morre um som dentro da voz do vento.

As águas sentem um menor movimento dos peixes, a terra um menor trotar dos cavalos, o ar um menor trovejar de pássaros. Enquanto a melancolia esculpe os gestos com chuva em torno dos castelos, rainhas incendeiam os livros, misturando as cinzas das páginas a suas lágrimas, quando um poeta morre.

Os anciões se curvam, com boa voz, para tentar explicar às crianças o que aconteceu: "O poeta dizia o que a gente não podia, quer dizer, o amanhecer das palavras". "Mas então", uma menininha pode perguntar, "não tem mais de manhã?". "Se vocês continuarem sendo o que são, sempre teremos", eles respondem. Então as crianças entendem que devem continuar inventado o mundo e saem dali correndo tristes porém sorrindo.

Quando um poeta morre nasce um poeta nos olhos de cada menino.

Quando um poeta morre, nuvens diferentes deslocam-se do oriente e aninham-se no peito dos sensíveis. Os alicerces azuis que sustentam os astros fremem mansamente pelo sopro de pesar das musas. 

As musas, inclusive, que por muito tempo forçaram-se indiferentes ao amor que o poeta lhes dedicava, agora podem chorar uma saudade amendoada de ouvir a voz dele, de cheirar seus cabelos, de saber-se objeto de um amor impossível aos homens menores, em seus olhos que se aligeiram em parecer olhos de futuras mães - pois é sempre pelo ventre de uma musa de outrora que um poeta nasce.

Por isso é preciso ser poeta, para que a nossa morte desloque grandes coisas sobre a Terra.

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