28 de outubro de 2023

As árvores e o fogo

"E também agora está posto o machado à raiz das árvores; toda a árvore, pois, que não produz bom fruto, é cortada e lançada no fogo." - Mateus 3:10

As cercas do pomar envolvem
a esperança de que haja frutos
e atraem o olhar dos pobres
com sua fome feita de furtos.

Mas que será dessa esperança
se o machado rasgar os muros
da madeira, macieira mansa
morta então em cortes muitos?

Aquecerá dela o carvão futuro
a um jantar farto ou às ruínas
da grande casa e seus vultos?

Nossas obras, carvão maduro,
cercadas queimarão, galharia
interior e má de nossos intuitos.

18 de outubro de 2023

Os bebês degolados

Depois que alguns bebês foram mortos
por grupos terroristas em ataque a Israel
há certo debate
sobre estes minúsculos cadáveres.

Os que veem nos assassinos
heróis oprimidos
querem fazer crer que Israel
também assassina bebês
sendo portanto justificável matar
o que lá há de mais inocente e que
na verdade os bebês não foram degolados
foram fuzilados, esfaqueados
mas que seus pequenos pescoços
há pouco ainda recebendo beijos
entre as dobrinhas da pele
não foram completamente separados
de seus pequenos crânios
que eram ainda moleiras, bochechas
cheiro de talco.

Então levantou-se uma ágora
lavada pelo sangue de bebês
na internet uma grande praça
para debates, debates, corpos
e debates.

Mesmo houve quem desejasse
haver bebês palestinos degolados 
para justificarem
bebês judeus degolados
ou que houvesse fotos
que justificassem
mais bebês futuramente degolados
de ambos os lados.

Os bebês, porém, mortos
sequer sabiam o que é Israel
Palestina, ágora, debate, guerra
logo os bebês, sementes
do que viria a ser paz sobre a terra
mortos, mortos, corpos
mortos
de pequenos bebês
e neles mortas também
a esperança e a trégua.

8 de outubro de 2023

O Executivo e o Faxineiro

O Executivo no topo do maior prédio da avenida mais rica do país olha para baixo.

Por tanto tempo vivi
a olhar somente pra cima
que mesmo me esqueci
que aqui abismo havia
aqui, no crânio do prédio
aqui, nessa esquina faminta
de boca e dentes remédio
pro fracasso chamado vida
crânio que possui de aéreo
o mesmo que possui de brita
da morte útero inverso
cova sem pedra escrita.

O Faxineiro aparece, após ouvir os lamentos, e se posta boquiaberto próximo do Executivo.

O senhor que tem tudo
cogita mesmo essa loucura?
Cogita transformar em verbo
o desespero e sua arquitetura?
E com quanto do meu sangue
levarás para a queda, chuva?
E com quanto do meu suor
será paga a tua sepultura?
O senhor que tem tudo
cogita mesmo essa loucura?

O Executivo, sem olhar para o Faxineiro, responde.

Sim.
Semelhante a um dado sujo
lançado da mão de um louco
lançarei daqui meu corpo.
Sim.
Daqui à vala esquecida
hoje lançarei a mim, solto
do vão à chance mínima
de voar e viver ou morto
me encarar com a linha
em ter agido igual porco
e ter sujado esta vida
da doença de amar pouco.

O Faxineiro, sério, fala.

A doença de amar pouco
cura-se amando.
Não é o lamento oco
que cura, mas o quando
preciso for: ajudar.
A doença de não amar
aprende-se enquanto
transforma-se o mofo
do egoísmo em ouro
e não o ouro em prédio
para encher nele
curvados outros
e não o ouro em rédeas
senão contra as pedras
que o ódio usa
como adorno.

O Faxineiro, agora sorrindo, continua.

Vem! Segura as férreas
serras das minhas mãos!
Meus calos são
a prova que vivi
e que em auxílio já agi
contra muita depressão!
Vem! Se a fúria da guerra
até mesmo vence-se com
um estender de mãos
quem dirá o oco
de cada coração!

O Executivo olha para o Faxineiro. A face do Executivo é algo entre o nojo, a culpa, a pena, a confusão. Som de hélices de helicóptero ao fundo. Uma tempestade se aproxima. Ele segura a mão estendida do Faxineiro.