7 de junho de 2024

Conversa paterna número dois

É preciso, meu filho, saber afastar-se de suas obras construídas e olhá-las com delicadeza, respeito, silêncio. É preciso saber dar tempo às suas memórias. Por não saberem ser reverentes ao próprio passado, muitos sucumbem à ansiedade de viverem em um ano sem estações, isto é, sem conceberem ciclos e sem aceitarem os fins que permitem os reinícios. 

O que seria deste mundo se nós, os velhos, não morrêssemos para deixar espaço à vida dos novos bebês?

Um quarto, por volta das duas da tarde, onde um desses bebês dorme, deve estar silencioso a ponto de o silêncio ser quase um abraço. Caminhar até o berço nas pontas dos pés para ver o bebê sem acordá-lo deve ser algo que se faz como que se aproximando dos seus feitos de outrora. Olhe para a sua vida, para o que você já fez, como olha para esse bebê calmo e bochechudo que inventei, isto é, olhe com ternura e sossegada admiração aquilo que você gerou. Ele está dormindo tranquilamente, não está? Em algum momento acordará, pode ser que chorando, mas isso não importa, porque agora ele está ronronando, bonito e satisfeito.

Você é o pai de sua obra. Saiba olhá-la descansar, então, e descanse também você ao contemplá-la. O natural é que um dia você morra e ela permaneça. Até lá, meu filho, saiba pacientemente o tempo de meditá-la.

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