8 de outubro de 2023

O Executivo e o Faxineiro

O Executivo no topo do maior prédio da avenida mais rica do país olha para baixo.

Por tanto tempo vivi
a olhar somente pra cima
que mesmo me esqueci
que aqui abismo havia
aqui, no crânio do prédio
aqui, nessa esquina faminta
de boca e dentes remédio
pro fracasso chamado vida
crânio que possui de aéreo
o mesmo que possui de brita
da morte útero inverso
cova sem pedra escrita.

O Faxineiro aparece, após ouvir os lamentos, e se posta boquiaberto próximo do Executivo.

O senhor que tem tudo
cogita mesmo essa loucura?
Cogita transformar em verbo
o desespero e sua arquitetura?
E com quanto do meu sangue
levarás para a queda, chuva?
E com quanto do meu suor
será paga a tua sepultura?
O senhor que tem tudo
cogita mesmo essa loucura?

O Executivo, sem olhar para o Faxineiro, responde.

Sim.
Semelhante a um dado sujo
lançado da mão de um louco
lançarei daqui meu corpo.
Sim.
Daqui à vala esquecida
hoje lançarei a mim, solto
do vão à chance mínima
de voar e viver ou morto
me encarar com a linha
em ter agido igual porco
e ter sujado esta vida
da doença de amar pouco.

O Faxineiro, sério, fala.

A doença de amar pouco
cura-se amando.
Não é o lamento oco
que cura, mas o quando
preciso for: ajudar.
A doença de não amar
aprende-se enquanto
transforma-se o mofo
do egoísmo em ouro
e não o ouro em prédio
para encher nele
curvados outros
e não o ouro em rédeas
senão contra as pedras
que o ódio usa
como adorno.

O Faxineiro, agora sorrindo, continua.

Vem! Segura as férreas
serras das minhas mãos!
Meus calos são
a prova que vivi
e que em auxílio já agi
contra muita depressão!
Vem! Se a fúria da guerra
até mesmo vence-se com
um estender de mãos
quem dirá o oco
de cada coração!

O Executivo olha para o Faxineiro. A face do Executivo é algo entre o nojo, a culpa, a pena, a confusão. Som de hélices de helicóptero ao fundo. Uma tempestade se aproxima. Ele segura a mão estendida do Faxineiro.

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