29 de junho de 2024

Às portas dos 30 anos

Juventude, passagem
entre o entusiasmo
e a seriedade, levo
teus olhos (duas aves)
e tua boca (espasmo
íntimo) comigo: estou
vivo contigo saliva
e imagem embora
envelheça-me o juízo
e vença-me a idade

Juventude, tenra
pastagem da tolice
verde florida pela
bosta ingenuidade
- aqui me despeço

Antes tarde
do que sempre
antes perto
e às portas
do que em parte

21 de junho de 2024

Outro e ouro

Quem diz que tudo sempre é feio
(um feio de impossível novidade)
nunca amou, nunca viu o ribeiro
em que o amor transforma a cidade
infeccionando o cimento com o sol
(e com pétalas vivas suas partes)
nunca amou, nunca fez-se o farol
à beleza que enfebrece a realidade.

Queres conhecer a beleza? Ame.
O amor faz sempre o mundo novo.
Terrivelmente belo é seu enxame
que tudo faz em mel outro e ouro.

16 de junho de 2024

Latumia

Há muitos meses não chove, meu irmão.
Há muitos meses eu oro por chuva
os joelhos como as pedras maceradas
contra o chão.
Se não fosse pelos olhos da amada
eu sequer lembraria em castanho
de como o cheiro de chuva abre
a beleza da espera na gente.
É fato que a falta
de haver água rasga
e seca meu coração
como esta terra.
É fato que estou cansado
como um santo
sem a alegria da santidade.
Pois se eu clamasse
por justiça, irmão
clamaria contra mim mesmo.
Eu clamo por piedade.

11 de junho de 2024

Os nomes das estrelas

"Conta o número das estrelas, chama-as a todas pelos seus nomes. Grande é o nosso Senhor, e de grande poder; o seu entendimento é infinito." - Salmos 147:4,5

É bom que tudo passe
exceto o que é eterno.

É bom que morra o mortal
e renasça o cíclico inverno.

É bom, Senhor, teres feito
o que fizeste, sem excesso.

Estrelas, talvez já mortas
mas cujo brilho externo

até nós demora, distantes
de seus nomes diversos.

É bom que tudo passe
exceto o que É eterno.

O que existe, existe: bom
é ser exato o universo.

7 de junho de 2024

Conversa paterna número dois

É preciso, meu filho, saber afastar-se de suas obras construídas e olhá-las com delicadeza, respeito, silêncio. É preciso saber dar tempo às suas memórias. Por não saberem ser reverentes ao próprio passado, muitos sucumbem à ansiedade de viverem em um ano sem estações, isto é, sem conceberem ciclos e sem aceitarem os fins que permitem os reinícios. 

O que seria deste mundo se nós, os velhos, não morrêssemos para deixar espaço à vida dos novos bebês?

Um quarto, por volta das duas da tarde, onde um desses bebês dorme, deve estar silencioso a ponto de o silêncio ser quase um abraço. Caminhar até o berço nas pontas dos pés para ver o bebê sem acordá-lo deve ser algo que se faz como que se aproximando dos seus feitos de outrora. Olhe para a sua vida, para o que você já fez, como olha para esse bebê calmo e bochechudo que inventei, isto é, olhe com ternura e sossegada admiração aquilo que você gerou. Ele está dormindo tranquilamente, não está? Em algum momento acordará, pode ser que chorando, mas isso não importa, porque agora ele está ronronando, bonito e satisfeito.

Você é o pai de sua obra. Saiba olhá-la descansar, então, e descanse também você ao contemplá-la. O natural é que um dia você morra e ela permaneça. Até lá, meu filho, saiba pacientemente o tempo de meditá-la.

4 de junho de 2024

Conversa paterna número um

A alegria cotidiana é a única alegria possível para o homem comum. O império da propaganda tenta fazer crer que todos nós podemos ser astros carismáticos em um palco, governadores sorridentes, astronautas na lua ou influenciadores de rostos harmonizados - mas isso é mentira. A maior parte dos humanos nascerá e morrerá sem sentir esse gosto (muito menos doce do que sonhado) de ser "invejável". Assim, o que resta a nós, homens comuns, é a alegria cotidiana - não a alegria de marcar um gol na final do campeonato, mas a equivalente alegria de tomar um bom sorvete com quem se ama.

Ocorre que as redes sociais, como vitrines, fazem parecer ridículas essas ocasiões não publicitárias de alegria cotidiana - e como hoje só "existe" aquilo que é vitrine em rede social, há um pavor generalizado de não estar aproveitando a vida suficientemente bem quando não estamos pulando de paraquedas, escalando um vulcão ou comendo um bife de ouro. É um sistema feito para frustrar o homem comum, vender produtos e financiar sonhos.

Saiba, porém, que isso é mentira. Não há motivo para se sentir fracassado ao deixar de seguir modelos exteriores ao que você acredita. Sinta-se fracassado por não ser fiel a si. Descubra quem você é, o que você ama e aquilo que quer se tornar e caminhe para isso. O que o mundo chama de "pessoas de sucesso" são os modelos publicitários para vender coisas: você, meu filho, é uma pessoa de verdade. Considere, então, a alegria verdadeira como a sua recompensa realizável.